terça-feira, 28 de agosto de 2012

Pierre Schaeffer - Acousmatics




Pierre Schaeffer - Acousmatics[1]

Análise ao texto – Jorge Bruno Ventura


Ao ser fascinado pelas novas experiências sonoras permitidas pela gravação e pela rádio[2], às quais deu o nome de reduced listening e acousmatic listening, Pierre Schaeffer, fundador da música concreta[3], criou e desenvolveu um conjunto de teorias de escuta musical.
Apreciador do trabalho desenvolvido pelo filósofo alemão Edmund Husserl[4], Pierre Schaeffer transporta para o som ideias da escola fenomenológica ao separar o sinal da sua fonte em vez de a utilizar como referência para distinguir o som[5]. Tecnologias como a rádio e o fonógrafo viabilizaram a fenomenologia no som através da alteração das hierarquias da relação entre a fonte e o sinal.


Escutar um som sem ver o que o causa é uma das experiências sonoras associadas à acusmática de Pierre Schaeffer. Pitágoras[6] criava esse cenário ao colocar uma cortina a separar o espaço onde ministrava as suas palestras do espaço onde se situavam os seus discípulos. A esses discípulos, que escutavam sem ver o Mestre, deu-se o nome de Acusmáticos porque a sua experiência de aprendizagem era feita com base na oralidade, i.e. sem verem o que provocava o som que escutavam. Inspirado pela cisão entre a fonte sonora e a visão, Pierre Schaeffer desenvolve reduced listening como o exercitar da audição das qualidades internas ao som, sem contextualização e referências externas. O som é colocado num novo paradigma, num novo patamar distinto dos critérios de produção e transmissão. Para Schaeffer, as antigas cortinas de Pitágoras passavam a ser ocupadas pela rádio e pela gravação, “this is why we can, without anachronism, return to an ancient tradition, which, no less nor otherwise than contemporary radio and recordings, gives back to the ear alone the entire responsibility of a perception that ordinarily rests on other sensible witnesses. In ancient times, the apparatus was a curtain; today, it is the radio and the methods of reproduction” (pp.76).
A acusmática é a inversão do procedimento habitual ou a percepção da forma como uma escuta subjectiva interpreta ou deforma a realidade. A escuta torna-se origem do fenómeno e nasce uma nova pergunta criada pela perda de referenciais e pela aquisição de novas percepções – O que é que estou a ouvir? Anula-se a relação com o que pode ser medido, visto ou tocado, e elementos objectivos, como a frequência, a duração e a amplitude, ficam confinados à acústica.
Das características que o autor assume para a acusmática fazem parte a escuta pura, a audição dos efeitos, as variações na escuta e no sinal:
Escuta pura – O reconhecimento de um som torna-se incerto quando desprovido da identificação da fonte sonora, “This is why certain sounds produced by instruments as different as string instruments and wind instruments can be confused” (pp.78);
Ouvir os efeitos – A forma de escuta torna-se diferente pela separação do ver e do ouvir, “The dissociation of seeing and hearing here encourages another way of listening” (pp.78). A cortina de Pitágoras não era suficientemente forte para desencorajar a curiosidade, mas a repetição que a gravação permite poderá levar ao cansaço da curiosidade, recolocando o objecto sonoro no espaço da sua observação, e a uma maior atenção da percepção;
Variações na escuta – A repetição permite o aumento da percepção e a revelação de novos aspectos no objecto;
Variações do sinal – São as possibilidades de intervir no som. Podem ser feitas várias intervenções[7] e perceber as relações[8] que podem ser esperadas entre as modificações processadas e o que é escutado.

Ao contrário do que se poderia pensar, o objecto sonoro não é o que convencionalmente se chama de instrumento (musical) ou do seu som em particular. O objecto sonoro revela-se na cegueira do ouvinte e na pergunta, ou perguntas, colocadas com a não identificação de um objecto. O objecto sonoro também não pode ser a fita onde se efectua a gravação porque isso é o suporte, a materialização do som que pode ser alterado na relação com quem o ouve, “when listened to by a dog, a child, a Martian, or the citizen of another musical civilization, this signal takes on another meaning or sense”(pp.79). Como já escrevemos, para além da rádio, um dos elementos que fascinou Pierre Schaeffer foi a gravação e por isso as palavras dedicadas à ligação entre objecto sonoro e a fita. Poderá haver uma manipulação, uma intervenção na fita. mas a realidade dessas alterações apenas pode ser verificada quando o som registado nessa fita é escutado por alguém.  Essa manipulação não anula o objecto sonoro, mas cria novos.
A capacidade de comparação detida pelo humano é o elemento capaz de identificar a novidade ou a igualdade do objecto sonoro. Por exemplo, a escuta a baixa velocidade[9] de uma fita gravada proporciona uma experiência semelhante à análise de um objecto através de uma lupa, “The slowed-down portion, acting like a magnifying glass in relation to the temporal structure of the sound, will have allowed us to discern certain details-of grain, for example – which our listening, thus alerted and informed, will rediscover in the second passage at normal speed”(pp.80). Quem escuta o som manipulado poderá identificar o objecto sonoro original e o tipo de manipulação aplicado, ou então nada identificar, e assim proporcionar o nascimento de um novo objecto sonoro.
A possibilidade de apenas reproduzir elimina a lembrança de referenciais e de significados musicais. A escuta é a descoberta de um caminho restrito para o puramente sonoro e puramente musical. A sugestão da acusmática é “to deny the instrument and cultural conditioning, to put in front of us the sonorous and its musical ‘possibility’(pp.81).
Jorge Bruno Ventura

Não resisto a colocar o acesso para um video disponível no YouTube com um pouco do trabalho  de Pierre Schaeffer





[1] In Audio Culture – Readings in Modern Music. Chistoph Cox and Daniel Warner edited. Ne
.w York, Continuum IPG, 2004.
[2] Pierre Schaeffer trabalhou na rádio estatal de França desde 1936.
[3] Em francês Musique concrete. Com o desenvolvimento dos microfones e das técnicas de gravação nos finais da década de 40 e durante a de 50 do século passado surge um tipo de música electrónica produzida a partir da manipulação de sons naturais e industriais com a edição áudio.
[4] Edmund Husserl nasceu em 1859 e foi o fundador da escola fenomenológica. Rompeu com a orientação positivista da ciência e da filosofia da sua época. Não se limitou ao empirismo e foi mais além ao acreditar que a experiência é a fonte de todo o conhecimento.
[5] Em http://www.youtube.com/watch?v=q2o9VyuJSD4 pode ser ouvida parte de uma composição de Pierre Schaeffer em conjunto com Pierre Henry, com o título “Symphonie pour un Homme Seul”.
[6] Filosofo e Matemático grego que fundou uma escola de pensamento grego – A escola Pitagórica. Não há um ano certo para o seu nascimento, mas sabe-se ter sido por volta do ano de 571 a.C.
[7] Intervenções como efectuar registos diferentes do mesmo acontecimento sonoro; efectuar aproximações ao som alterando os ângulos de registo no momento da gravação; alterar a velocidade de leitura do registo, alterar as fitas de gravação e alterações de volume.
[8] Pierre Schaeffer utiliza o termo correlações.
[9] Aqui identificado como apenas uma possibilidade de manipulação da fita.

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