domingo, 25 de novembro de 2012

Amar o mundo apaixonadamente



Sobre este texto, apenas digo o seguinte: Mas que texto lindo

JB - Novembro de 2012

Homilia do Fundador: 'Amar o mundo apaixonadamente' (in 'Temas actuais do Cristianismo’, n. 113).Nesta homilia o santo fundador do Opus Dei resume o Espírito que difundiu desde 1928.(Homilia pronunciada no campus da Universidade de Navarra, em 8 de Outubro de 1967)
Acabais de ouvir a leitura solene dos dois textos da Sagrada Escritura correspondentes à Missa do XXI Domingo depois de Pentecostes. Tendo ouvido a palavra de Deus, já estais situados no âmbito em que se hão-de mover as palavras que agora vos dirijo: palavras de sacerdote, pronunciadas perante uma grande família de filhos de Deus na sua Santa Igreja. Palavras, pois, que desejam ser sobrenaturais, pregoeiras da grandeza de Deus e das suas misericórdias para com os homens; palavras que vos disponham para a impressionante Eucaristia que hoje celebramos aqui no campus da Universidade de Navarra.
Considerai por uns instantes o facto que acabo de mencionar. Celebramos a Sagrada Eucaristia, o sacrifício sacramental do corpo e do sangue de Nosso Senhor, esse mistério de fé que reúne em si todos os mistérios do Cristianismo. Celebramos, portanto, a acção mais sagrada e transcendente que o homem, por graça de Deus, pode realizar nesta vida. Comungar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor é, de certo modo, desligar-nos dos laços de terra e de tempo, para estar já com Deus no Céu, onde o próprio Cristo enxugará as lágrimas dos nossos olhos e onde não haverá morte, nem pranto, nem gritos de fadiga, porque o mundo velho já terá passado (Cfr Ap. XXI, 4).
Esta verdade tão consoladora e profunda, esta significação escatológica da Eucaristia, como costumam denominá-la os teólogos, poderia, no entanto, ser mal entendida; e de facto tem-no sido, sempre que se tem pretendido apresentar a existência cristã como algo de exclusivamente espiritual – espiritualista, quero dizer – próprio da gente pura, extraordinária, que não se mistura com as coisas desprezíveis deste mundo, ou que, quando muito, as tolera como realidade necessariamente justaposta ao espírito, enquanto aqui vivemos.
Quando se vêem as coisas deste modo, o lugar por excelência da vida cristã passa a ser o templo; e ser cristão, nesse caso, consiste em ir ao templo, participar em cerimónias sagradas, incrustar-se numa sociologia eclesiástica, numa espécie de mundo segregado, que se apresenta a si mesmo como a antecâmara do Céu, enquanto o mundo comum segue o seu próprio caminho. A doutrina do Cristianismo e a vida da graça passariam, por conseguinte, como que roçando o atribulado avançar da história humana, mas sem se encontrarem com ele.
Nesta manhã de Outubro, enquanto nos dispomos a penetrar no memorial da Páscoa do Senhor, respondemos simplesmente que não a essa visão deformada do Cristianismo. Reflecti um momento no enquadramento da nossa Eucaristia, da nossa Acção de Graças: encontramo-nos num templo singular; poderíamos dizer que a nave é o campus universitário; o retábulo, a Biblioteca da Universidade; além a maquinaria que levanta novos edifícios; e por cima, o céu de Navarra...
Esta enumeração não vos confirma, de uma forma palpável e inesquecível, que o verdadeiro lugar da vossa existência cristã é a vida corrente? Meus filhos, onde estiverem os homens, vossos irmãos; onde estiverem as vossas aspirações, o vosso trabalho, os vossos amores, é aí que está o sítio do vosso encontro quotidiano com Cristo. É no meio das coisas mais materiais da Terra que devemos santificar-nos, servindo Deus e todos os homens.
Tenho ensinado constantemente com palavras da Sagrada Escritura: o mundo não é mau porque saiu das mãos de Deus, porque é uma criatura Sua, porque Iavé olhou para ele e viu que era bom (Cfr. Gen. 1, 7 e ss.). Nós, os homens, é que o tornamos mau e feio, com os nossos pecados e as nossas infidelidades. Não duvideis, meus filhos: qualquer forma de evasão das honestas realidades diárias é, para vós, homens e mulheres do mundo, coisa oposta à vontade de Deus.
Pelo contrário, deveis compreender agora – com uma nova clareza – que Deus vos chama a servi-Lo em e a partir das ocupações civis, materiais, seculares da vida humana: Deus espera-nos todos os dias no laboratório, no bloco operatório, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no lar e em todo o imenso panorama do trabalho. Ficai a saber: escondido nas situações mais comuns há um quê de santo, de divino, que toca a cada um de vós descobrir.
Eu costumava dizer àqueles universitários e àqueles operários que vinham ter comigo por volta de 1930 que tinham que saber materializar a vida espiritual. Queria afastá-los assim da tentação, tão frequente então como agora, de viver uma vida dupla: a vida interior, a vida de relação com Deus, por um lado; e por outro, diferente e separada, a vida familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas.
Não, meus filhos! Não pode haver uma vida dupla; se queremos ser cristãos, não podemos ser esquizofrénicos. Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser – na alma e no corpo – santa e cheia de Deus, deste Deus invisível que encontramos nas coisas mais visíveis e materiais.
Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar Nosso Senhor na nossa vida corrente ou nunca O encontraremos Por isso posso dizer-vos que a nossa época precisa de restituir à matéria e às situações que parecem mais vulgares o seu sentido nobre e original, colocá-las ao serviço do Reino de Deus, espiritualizá-las, fazendo delas o meio e a ocasião do nosso encontro permanente com Jesus Cristo.
O sentido cristão autêntico – que professa a ressurreição de toda a carne – sempre combateu, como é lógico, a desencarnação, sem receio de ser julgado materialista. É lícito, portanto, falar de um materialismo cristão, que se opõe audazmente aos materialismos fechados ao espírito.
Que são os sacramentos – vestígios da Encarnação do Verbo, como afirmaram os antigos – senão a mais clara manifestação deste caminho que Deus escolheu para nos santificar e levar para o Céu? Não vedes que cada sacramento é o amor de Deus, com toda a sua força criadora e redentora, que se nos dá servindo-se de meios materiais? O que é esta Eucaristia – já iminente – senão o Corpo e o Sangue adoráveis do nosso Redentor, que Se nos oferece através da humilde matéria deste mundo – vinho e pão – através dos elementos da natureza cultivados pelo homem, como o último Concílio Ecuménico quis recordar? (Cfr. Gaudium et Spes, nº 38.)
Compreende-se, meus filhos, que o Apóstolo pudesse escrever: todas as coisas são vossas; vós sois de Cristo e Cristo de Deus (I Cor III 22-23). Trata-sede um movimento ascendente que o Espírito Santo, difundido nos nossos corações, quer provocar no mundo: da terra até à glória de Nosso Senhor. E para que ficasse claro que nesse movimento se incluía até o que parece mais prosaico, S. Paulo escreveu também: quer comais, quer bebais, fazei tudo para glória de Deus (I Cor X, 31.).
Esta doutrina da Sagrada Escritura, que se encontra, como sabeis, no próprio cerne do espírito do Opus Dei, há-de levar-vos a realizar o vosso trabalho com perfeição, a amar a Deus e os homens fazendo com amor as pequenas coisas da vossa jornada habitual, descobrindo esse quê divino que está encerrado nos pormenores. Que bem se enquadram aqui aqueles versos do poeta de Castela: Devagar, e boa letra; /que fazer as coisas bem/ importa mais que fazê-las (A. MACHADO, Poesias Completas. CLXI – Proverbios y cantares XXIV, Espasa-Calpe, Madrid, 1940.).
Asseguro-vos, meus filhos, que, quando um cristão realiza com amor a mais intranscendente das acções diárias, ela transborda da transcendência de Deus. Por isso vos tenho repetido, com insistente martelar, que a vocação cristã consiste em fazer poesia heróica da prosa de cada dia. Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não; onde se juntam deveras é nos vossos corações, quando viveis santamente a vida de cada dia...
Viver santamente a vida de cada dia, acabo de dizer-vos. E com estas palavras refiro-me a todo o programa da vossa vida cristã. Deixai-vos, pois, de sonhos, de falsos idealismos, de fantasias, daquilo a que costumo chamar mística do oxalá – oxalá não me tivesse casado; oxalá não tivesse esta profissão; oxalá tivesse mais saúde; oxalá fosse mais novo; oxalá fosse velho!... – e cingi-vos, pelo contrário, sobriamente, à realidade mais material e imediata, que é onde Nosso Senhor está: vede as minhas mãos e os meus pés, disse Jesus ressuscitado; sou Eu mesmo. Tocai-Me e vede que um espírito não tem carne e ossos como vedes que Eu tenho (Lc 24, 39.).
São muitos os aspectos do ambiente secular em que vos moveis, que se iluminam a partir destas verdades. Pensai, por exemplo, na vossa actuação de cidadãos na vida civil. Um homem sabedor de que o mundo – e não só o templo – é o lugar do seu encontro com Cristo, ama esse mundo, procura adquirir uma boa preparação intelectual e profissional, vai formando – com plena liberdade – os seus próprios critérios sobre os problemas do meio em que vive; e toma, como consequência, as suas próprias decisões que, por serem decisões de um cristão, procedem também de uma reflexão pessoal que tenta humildemente captar a vontade de Deus nesses aspectos, pequenos e grandes, da vida.
Mas esse cristão não se lembra nunca de pensar ou de dizer que desce do templo ao mundo para representar a Igreja, e que as suas soluções são as soluções católicas daqueles problemas. Isso não pode ser, meus filhos! Isso seria clericalismo, catolicismo oficial, ou como quiserdes chamar-lhe. De qualquer modo, seria violentar a natureza das coisas. Tendes de difundir por toda a parte uma verdadeira mentalidade laical, que há-de levar os cristãos a três consequências:
– a serem suficientemente honrados para arcarem com a sua responsabilidade pessoal;
– a serem suficientemente cristãos para respeitarem os seus irmãos na fé que proponham – em matérias discutíveis – soluções diversas das suas
– e a serem suficientemente católicos para não se servirem da Igreja, nossa Mãe, misturando-a com partidarismos humanos.
Vê-se claramente que, neste terreno como em todos, não poderíeis realizar o programa de viver santamente a vida diária se não gozásseis de toda a liberdade que vos é reconhecida – simultaneamente – pela Igreja e pela vossa dignidade de homens e de mulheres criados à imagem de Deus. A liberdade pessoal é essencial para a vida cristã. Mas não vos esqueçais, meus filhos, de que falo sempre de uma liberdade responsável.
Interpretai, portanto, as minhas palavras como o que são: um chamamento a exercerdes – diariamente!, não apenas em situações de emergência – os vossos direitos; e a cumprirdes nobremente as vossas obrigações como cidadãos – na vida política, na vida económica, na vida universitária, na vida profissional –, assumindo com coragem todas as consequências das vossas decisões, arcando com a independência pessoal que vos corresponde. E essa mentalidade laical cristã permitir-vos-á fugir de toda a intolerância, de todo o fanatismo. Di-lo-ei de um modo positivo: far-vos-á conviver em paz com todos os vossos concidadãos e fomentar também a convivência nos diversos sectores da vida social.
Sei que não tenho necessidade de recordar o que ao longo de tantos anos venho repetindo. Esta doutrina de liberdade civil, de convivência e de compreensão é uma parte muito importante da mensagem que o Opus Dei difunde. Terei que voltar a afirmar que os homens e as mulheres que querem servir Jesus Cristo na Obra de Deus são simplesmente cidadãos iguais aos outros que se esforçam por viver com responsabilidade séria – até às últimas consequências – a sua vocação cristã?
Nada distingue os meus filhos dos seus concidadãos. Por outro lado, exceptuando a Fé, nada têm de comum com os membros das congregações religiosas. Amo os religiosos e venero e admiro as suas clausuras, os seus apostolados, o seu afastamento do mundo – o seu contemptus mundi –, que são outros sinais de santidade na Igreja. Mas Nosso Senhor não me deu vocação religiosa, e desejá-la para mim seria uma desordem. Nenhuma autoridade na terra poderá obrigar-me a ser religioso, como nenhuma autoridade pode forçar-me a contrair matrimónio. Sou sacerdote secular: sacerdote de Jesus Cristo, que ama apaixonadamente o mundo.
Os que seguiram Jesus Cristo comigo, pobre pecador, são: uma percentagem de sacerdotes que exerciam antes uma profissão ou tinham uma ocupação laical; um grande número de sacerdotes seculares de muitas dioceses do mundo – que confirmam assim a obediência e amor aos seus Bispos respectivos, e a eficácia do seu trabalho diocesano, com os braços sempre abertos em cruz para que todas as almas caibam nos seus corações, e que estão como eu, em plena rua, no mundo, e o amam; e a grande multidão, formada por homens e mulheres de diversas nações, de diversas línguas, de diversas raças, que vivem do seu trabalho profissional, casados na sua maior parte, solteiros muitos outros, que participam com os seus concidadãos na grave tarefa de tornar mais humana e mais justa a sociedade temporal, na nobre lide das ocupações diárias, com responsabilidade pessoal – repito –, alcançando e sofrendo, ombro a ombro com os outros homens, êxitos e fracassos, procurando cumprir os seus deveres e exercer os seus direitos sociais e cívicos. E tudo isto, com naturalidade, como qualquer cristão consciente, sem mentalidade de selectos, fundidos na massa dos seus colegas, enquanto procuram detectar a luz divina que reverbera nas realidades mais vulgares.
Também as obras promovidas pelo Opus Dei, como associação, têm essas características eminentemente seculares: não são obras eclesiásticas. Não gozam de nenhuma representação oficial da Hierarquia da Igreja. São obras de promoção humana, cultural, social, realizadas por cidadãos que procuram iluminá-las com a luz do Evangelho e aquecê-las com o amor de Cristo. Ficareis esclarecidos com um dado: o Opus Dei não tem nem terá jamais, por exemplo, a missão de dirigir Seminários diocesanos, onde os Bispos, instituídos pelo Espírito Santo (Act 20, 28), preparam os seus futuros sacerdotes.
O Opus Dei fomenta, pelo contrário, centros de formação operária e de formação agrícola, de ensino básico, secundário e universitário, e tantas outras e tão variadas actividades em todo o mundo, porque os seus anseios apostólicos – escrevi há muitos anos – são um mar sem limites.
Mas, por que me hei-de alongar nesta matéria, se a vossa própria presença é mais eloquente do que um prolongado discurso? Vós, Amigos da Universidade de Navarra, sois parte de um povo que sabe estar comprometido no progresso da sociedade a que pertence. O vosso alento cordial, a vossa oração, o vosso sacrifício e a vossa contribuição material não seguem os caminhos de um confessionalismo católico; ao prestardes a vossa cooperação, sois o perfeito testemunho de uma recta consciência civil, preocupada pelo bem comum temporal; testemunhais que uma Universidade pode nascer das energias do povo e ser sustentada pelo povo.
Quero agradecer uma vez mais nesta ocasião, a colaboração que prestam à nossa Universidade a minha nobilíssima cidade de Pamplona, a grande e forte região navarra; os Amigos procedentes de toda a geografia espanhola e – com particular emoção o digo – os não espanhóis e até os não católicos e não cristãos que compreenderam, e assim o demonstram com factos, a intenção e o espírito deste empreendimento.
A todos eles se deve que esta Universidade seja um foco, cada vez mais vivo, de liberdade cívica, de preparação intelectual, de emulação profissional, e um estímulo para o ensino universitário. O vosso generoso sacrifício serve de base a um trabalho universal que procura o incremento das ciências humanas, a promoção social, a pedagogia da fé.
O que acabo de dizer foi visto com clareza pelo povo navarro, que também reconhece na sua Universidade um factor de promoção económica para a região e, especialmente, de promoção social, que permitiu a tantos dos seus filhos o acesso às profissões intelectuais que, de outro modo, seria difícil e, em certos casos, impossível. A compreensão do papel que a Universidade havia de ter na sua vida motivou certamente o apoio que Navarra lhe dispensou desde o começo; apoio que, sem dúvida, será cada vez mais amplo e entusiasta.
Continuo a manter a esperança – porque corresponde a um critério justo e à realidade vigente em tantos países – de que chegará o momento em que o Estado espanhol contribuirá, por seu lado, para aliviar os encargos de um empreendimento que não tem em vista nenhum proveito privado e que, pelo contrário, totalmente consagrado ao serviço da sociedade, procura trabalhar com eficácia para a prosperidade presente e futura da nação.
E agora, meus filhos e minhas filhas, permiti que me detenha noutro aspecto – particularmente querido – da vida comum. Refiro-me ao amor humano, ao amor casto entre um homem e uma mulher, ao noivado, ao matrimónio. Devo dizer uma vez mais que esse amor humano santo não é algo de permitido, de tolerado, à margem das verdadeiras actividades do espírito, como poderiam insinuar os falsos espiritualismos a que antes aludia. Há quarenta anos que venho pregando exactamente o contrário, através da palavra e da escrita, e os que não compreendiam já o vão entendendo.
O amor que conduz ao matrimónio e à família pode ser também um caminho divino, vocacional, maravilhoso, meio para uma completa dedicação ao nosso Deus. Realizai as coisas com perfeição, tenho-vos recordado, ponde amor nas pequenas actividades da jornada, descobri – insisto – esse quê divino que se oculta nos pormenores: toda esta doutrina encontra um lugar especial no espaço vital em que o amor humano se enquadra.
Já o sabeis muito bem, professores, alunos e todos os que dedicais o vosso trabalho à Universidade de Navarra: pus os vossos amores sob a protecção de Santa Maria, Mãe do Amor Formoso. E aí tendes a ermida que construímos com devoção no campus universitário, para recolher as vossas orações e a oblação desse amor maravilhoso e limpo que Ela abençoa.
Não sabíeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que recebestes de Deus, e que não vos pertenceis? (I Cor 6, 19.)Quantas vezes, diante da imagem da Virgem Santa, da Mãe do Amor Formoso, respondereis com uma alegre afirmação à pergunta do Apóstolo: sabemos, sim, e queremos vivê-lo com a tua ajuda poderosa, ó Virgem Mãe de Deus!
A oração contemplativa surgirá em vós sempre que meditardes nesta realidade impressionante: uma coisa tão material como o meu corpo foi escolhida pelo Espírito Santo para estabelecer a Sua morada...; já não me pertenço...; o meu corpo e a minha alma – o meu ser inteiro – são de Deus... E essa oração será rica em resultados práticos, derivados da grande consequência que o próprio Apóstolo apresenta: glorificai a Deus no vosso corpo (I Cor 6, 20).
 
Por outro lado, não podeis desconhecer que só entre os que compreendem e valorizam em toda a sua profundidade o que acabamos de considerar acerca do amor humano, pode surgir aquela outra compreensão inefável de que Jesus falou (Cfr Mt 19, 11), que é um puro dom de Deus e que conduz a entregar o corpo e a alma a Nosso Senhor, a oferecer-Lhe o coração indiviso, sem a mediação do amor terreno.
Tenho de terminar, meus filhos. Disse-vos ao começar que a minha palavra gostaria de vos anunciar alguma coisa da grandeza e da misericórdia de Deus. Julgo tê-lo cumprido, ao falar-vos de viver santamente a vida corrente: porque uma vida santa no meio da realidade secular – sem ruído, com simplicidade, com veracidade – não será porventura hoje a mais consoladora manifestação das magnalia Dei (Ecles 18, 5), dessas portentosas misericórdias que Deus sempre realizou, e não deixa de realizar para salvar o mundo?
Peço-vos agora com o salmista que vos unais à minha oração e ao meu louvor: magnificate Dominum mecum, et extollamus nomen eius simul (Ps.XXXIII, 4.); louvai comigo o Senhor e exaltemos todos juntos o Seu nome. Ou seja, meus filhos: vivamos de Fé.
Tomemos o escudo da Fé, o elmo da salvação e a espada do espírito que é a Palavra de Deus. Assim nos anima o Apóstolo S. Paulo na Epístola aos de Éfeso (Ef 6, 11 e ss.) que há momentos se proclamava liturgicamente.
Fé, virtude de que os cristãos tanto necessitamos, especialmente neste ano da Fé promulgado pelo nosso amadíssimo Santo Padre o Papa Paulo VI, pois, faltando a Fé, falta o próprio fundamento da santificação da vida corrente.
Fé viva nestes momentos, porque nos aproximamos do mysterium fidei (I. Tim 3, 9), da Sagrada Eucaristia; porque vamos participar nesta Páscoa do Senhor, que resume e realiza as misericórdias de Deus para com os homens.
Fé, meus filhos, para confessar que, dentro de instantes, sobre esta ara, se vai renovar a obra da nossa Redenção (Secreta do IX Domingo depois de Pentecostes.). Fé, para saborear o Credo e sentir, em torno deste altar e nesta Assembleia, a presença de Cristo que faz de nós cor unum et anima una (Act 4, 32.), um só coração e uma só alma; e nos converte em família, em Igreja una, santa, católica, apostólica e romana, que para nós é o mesmo que universal.
Fé, finalmente, filhas e filhos queridíssimos, para demonstrarmos ao mundo que tudo isto não são cerimónias e palavras, mas uma realidade divina, ao apresentarmos aos homens o testemunho de uma vida corrente santificada, em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e de Santa Maria.

sábado, 17 de novembro de 2012

A estética da rádio pela Análise de Conteúdo


Introdução
A análise de conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a discursos baseados na inferência. Inicialmente existia a hermenêutica, arte de interpretar; a Retórica, persuasão; e a Lógica, o encadeamento e as regras formais. Todas eram práticas de observação. No início do séc. XX, e durante aproximadamente 40 anos, a análise de conteúdo teve um grande desenvolvimento nos meios jornalísticos: “A escola de jornalismo de Colômbia dá o pontapé de saída e multiplicam-se assim os estudos quantitativos dos jornais. É feito um inventário das rubricas, segue-se a evolução de um órgão de imprensa, mede-se o grau de sensacionalismo dos seus artigos, comparam-se os semanários rurais e os diários citadinos. Desencadeia-se um fascínio pela contagem e pela medida (superfície dos artigos, tamanhos dos títulos, localização na página)” (Bardin, 2008:17). Os campos de acção são muito vastos e em última análise podemos dizer que é qualquer tipo de comunicação, “qualquer veículo de significados de um emissor para um receptor controlado ou não por este, deveria poder ser escrito, decifrado pelas técnicas de análise de conteúdo” (Bardin, 2008:34).

Em relação ao exercício proposto

Tema: A Rádio. A estética dos programas da manhã.
O objectivo é perceber a dinâmica, a forma de apresentação e a moldura criada num programa da manhã. I.e. perceber um conjunto de informações sobre os programas de rádio no período da manhã.

Os programas da manhã são os espaços radiofónicos de maior dinamismo e audiência . As modificações verificadas ao nível do ciclo de vida diário (no caso particular dos portugueses) tem originado que o tradicional horário destes programas, das 07H00m às 10H00m, tenha-se alterado com casos de início do programa às 06H00m e prolongamento até às 11H00m. Aliás, para sermos verdadeiramente coerentes com a realidade, devemos notar que são poucas as rádios a utilizarem o tradicional horário de apresentação do programa da manhã. É no programa da manhã que estão os locutores de rádio mais destacados, as vozes mais conhecidas, e onde os conteúdos com maior poder de atrair ouvintes são colocados (por exemplo grandes passatempos e grandes entrevistas). Com excepção de espaços de emissão especial[1], os programas da manhã são os que envolvem equipas de maior dimensão e onde mais se sente a ligação entre os vários departamentos de uma rádio[2].
Do ponto de vista do ouvinte, este é o espaço onde há uma maior pré disposição para a escuta de rádio, sabendo-se que grande parte das audiências destes programas acontecem no trânsito, i.e. quando se verifica a deslocação matinal para o emprego[3]. O ouvinte é um agente único e as rádios focam toda a sua estratégia na captação de ouvintes, para assim, poder chegar a mais pessoas e tornar mais apetecível o interesse dos anunciantes, “de facto quanto maior for o número de consumidores activos a escutar determinado posto, maior volume de negócios [será] registado pelos anunciantes” (Leite, 2010: 40).
A temática sobre os programas matinais da rádio é vasta e não se esgota nas impressões aqui apresentadas, que apesar de básicas e generalistas, consideram-se como suficientes para o presente trabalho.

Justificação da amostra

Em Portugal existem mais de 300 canais de rádio. O espectro radiofónico foi regulamentado na actual configuração, depois do aparecimento de rádios não legalizadas, ao qual se deu o nome de piratas. No final dos anos 80, depois de alguma confusão e de fenómenos de grande audiência de rádios piratas como a TSF e a rádio Cidade, surge uma regulamentação que contempla rádios nacionais e locais.
Passados quase 25 anos o fosso entre as rádios nacionais e a maioria das rádios locais é abissal. Muitas das rádios locais não conseguiram passar a fronteira capaz de garantir uma gestão e uma estética tradutora de postura profissional.
A amostra da presente investigação contempla as rádios consideradas nacionais e as rádios que não sendo nacionais, por não cobrirem geograficamente todo território, têm um cobertura próxima do nacional e apresentam um uma estrutura em tudo semelhante a uma rádio nacional. As diferenças de estética, técnica e outras denotadas pelas rádios locais, inviabilizam a possibilidade destas rádios pertencerem  a esta amostra porque desvirtuariam uma determinada realidade que desejamos estudar. Para além disso, por se tratarem de rádios locais, o espaço geográfico de captação da emissão é limitado e não permite uma definição exacta de uma estética associada aos programas da manhã. Por fim, ao longo de todos estes anos, as rádios locais nunca se conseguiram impor, com excepção de um ou outro caso que apenas vem confirmar a regra[4] confirma a regra. Em Portugal o verdadeiro impacto radiofónico está nas rádios nacionais, e na presença que estas assumem no quotidianos da pessoas.
As justificam apresentadas justificam que a amostra seja constituída pelas seguintes estações de rádio: Antena 1; Antena 2; Antena 3; Canal 1 da Renascença, RFM; Rádio comercial e TSF

Unidades de texto a analisar

As Unidades de texto a analisar são de 60 minutos, entre as 07H30m e as 08H30m, dos programas da manhã de todas as estação de rádio que constituem a amostra, durante os primeiros 5 dias úteis dos meses de Fevereiro, Abril, Junho, Novembro. A justificação às decisões das unidades de texto a analisar estão reflectidas na tabela 1.

Tabela 1 – Justificação das decisões das unidades de texto a analisar

Por não existir um horário definido para os programa da manhã nas rádio da amostra justifica a decisão de se analisar uma hora de emissão de cada um dos programas e, assim, anular a hipótese de variáveis em análise poderem ter mais impacto apenas devido à maior duração do programa.
Entre as 07H30m e as 08H30m
O espaço entre as 07H30m e as 08H30m é o de maior impacto durante toda a emissão da manhã. Dentro deste horário, há um dos conteúdos que consegue ter maior audiência numa rádio - noticiário das 08H00m. Para além disso, abrange espaços em duas horas de emissão (das 07H00m às 08H00m e da 08H00m às 09h00m).


Primeiros 5 dias úteis
Por constituir o ciclo de uma semana. Dias úteis porque no fim-de-semana as rádios apresentam programas de outro tipo nestes horários e a quantificação do auditório é diferente.
Definição dos meses em análise
Optou-se por escolher meses sem acontecimentos capazes de alterar a vida quotidiana dos ouvintes. Assim, em vez de justificar os porquês dos meses seleccionados, preferimos apresentar as razões que levam a excluir os meses retirados.
Janeiro – Por ser um mês atípico no investimento publicitário;
Março – Para intervalar com o Fevereiro e o Abril, que são meses seleccionados.
Maio - Para intervalar com Abril e Junho, que são meses seleccionados.
Julho, Agosto e Setembro – São tradicionalmente meses de férias, facto com efeito nos alinhamentos dos programas da manhã da rádios.
Outubro – No seguimento do critério definido a escolha deste mês iria provocar a escolha do mês de Dezembro, o que era de evitar devido ao facto deste mês ser atípico por causa das festas e do incremento do investimento publicitário.
Dezembro - Pelas razões acima referidas.


Categorias


Música:
·       -59 bpm / +60 bpm[5]
·       música editada até 2008 / música editada depois de 2009
·       música comercial / música não comercial

O locutor/apresentador:
·       1 apresentador / 2 ou mais apresentadores
·       apresentador principal masculino/apresentador principal feminino
·       apresentador com voz jovem/apresentador sem voz jovem
·       apresentador simpático ou amistoso / apresentador pouco simpático ou pouco amistoso

Tipo de comunicação:
·       Tratamento do ouvinte por tu/tratamento do ouvinte por você
·       Menos 35 palavras por 15 segundos/+ 35 de palavras em 15 segundos
·       Menos 6min e 59 segundos de locução / + de 7 minutos de locução por hora

Conteúdos:
·       Lazer / informativo
·       Musical/ não musical
·       Humorístico/não humorístico
·       Dentro do estúdio/fora do estúdio
·       Ouvintes no ar / ausência de ouvintes no ar
                 JB - Novembro de 2012



Bibliografia:

Bardin, Laurence (2008). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70
Leite, Renato C. (2010). Estratégias Empresariais da Radiodifusão Pública e Privada. Porto: Media XXI



[1] Entende-se por emissão especial, os conteúdos emitidos que não fazem parte do alinhamento normal da grelha de programação de uma estação de rádio. São exemplos destas emissões as transmissões/reportagens de grandes acontecimentos, acompanhamento de noites eleitorais, cobertura de visitas papais, transmissões em directo de grandes produções, acompanhamento em estúdio de acontecimentos vários.
[2] Redacção, serviço de trânsito etc.
[3] Sabemos que o mesmo acontece no período de final de tarde quando se verifica o regresso a casa, no entanto, os dados das tabelas de audiência apresentam valores mais baixos dos registados no período da manhã.
[4] São as excepções que confirmam a regra.
[5] Bpm significa batida por minuto e é uma forma de medir o dinamismo de uma música i.e. se tem ou não muita batida.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Os elementos constituintes da linguagem da rádio (palavra, efeitos, música e silêncios)



A linguagem da rádio
Os 4 elementos constituintes da linguagem da rádio (palavra; música, Efeitos e silêncios)
A locução

Qual a linguagem mais apropriada para utilização na rádio? Qual a intensidade da morfologia, da semântica, da sintaxe e da retórica para a criação de uma estrutura que defina a linguagem radiofónica? Estas perguntas não têm resposta apesar de serem vários os autores com este campo de trabalho de extrema riqueza, porque a linguagem para o meio rádio ainda não está consolidada.
A estrutura da linguagem para a rádio tem de se distinguir das estruturas de linguagem aplicadas a outros meios, porque a rádio distingue-se dos outros meios os seus recursos limitados a quatro elementos: palavras, música, efeitos sonoros e silêncios. É através deste elementos que a rádio fala e terá de ser nestes elementos a aplicação de uma estrutura capaz de definir a linguagem da rádio. Estes 4 elementos formam um sistema, que é maior que, pura e simplesmente, a soma de todas as partes porque “no es solo mera suma de elementos aislados sino nueva realidad con características distintas a las de cada uno tendria por separado (Merayo, 2003: 124).
Já percebemos que a rádio necessita de uma linguagem diferente da utilizada nos outros media, mas percebemos agora que para além disso, é também necessário não cair na tentação de interpretar a linguagem da radio como se fosse apenas linguagem oral, porque tal seria cair no espaço incapaz de perceber as distinções que se apresentam.
Palavras, música, efeitos sonoros e silêncios. Através deste 4 elementos cria-se a linguagem da rádio e todos têm o mesmo peso apesar de poderem variar na relevância de acordo com a estética adoptada. A utilização de cada um destes elementos deve ser justificada num trabalho de preparação que contrarie o uso indescriminado e ad hoc que condena o improviso, “no parece practica recomendable la improvisación si por ella entendemos el uso indiscriminado de elementos expressivos sin que exista la opurtuna justificación de cada uno dellos” (Merayo, 2003: 125). Não condenamos tiotalmente o improviso, que traz consigo coisas boas como por exemplo a naturalidade, mas a improvisação deve ser feita com uma base capaz de a sustentar e em nenhum caso pode ser comparada à ausência de preparação. Informalmente os profissionais de rádio aprendem no contacto com colegas com mais anos de profissão que o melhor improviso passa sempre por uma boa preparação do que se pretente e que muitas vezes, o que parece ao ouvido do ouvinte como um improviso, não o é[1].
Vejamos, um pouco mais em pormenor cada um dos lementos.
As palavras fornecem uma relevante ajuda para dar forma à mensagem que se pretende transmitir. As palavras têm um lado cognitivo de associação à sensibilidade, aos valores e à estética, mas também têm um lado semântico, de associação com o discurso racional, de ligação à lógica e à epistemologia. Esta ligação à semântica é algo único às palavras e oculto nos restantes três elementos,  que faz com que a palavra, como elemento/recurso da rádio, seja o único a apresentar uma relação entre a racionalidade e a sensibilidade. Apesar disto, não devemos esquecer o que já dissemos: que os quatro elementos têm o mesmo peso. Impõem-se então, a necessária dose de equilíbrio porque, por um lado temos a palavra como elemento único na sua relação entre racional e sensível, e por outro lado, temos uma importância semelhante em todos os elementos. O que deve ser feito é perceber o contributo de cada elemento aplicado a cada mensagem e o seu uso deverá sempre ser justificado, Árias Ruiz diz que a literatura “resulta pobre ante el micrófono por sí sola; como en el teatro se precisa de la decoración, de la luz y del vestuário, y del mismo modo que en en cine se refuerza y sustituye incluso con la visión descriptiva, verdadera literatura de imagenes(...) (1964:139).
Na rádio deve-se utilizar uma linguagem correcta e isenta de erros. Para isso a mensagem deverá ser preparada pelo profissional antes da sua difusão. Deverá ser clara na sua redacção (léxico e sintáctico) e locução, mas também, deve ter uma clareza temática e técnica. Há temas de difícil compreensão e por não ser o meio ideal para o tratamento desses temas, a rádio exige do profissional um cuidado necessário no aclaramento desses temas para permitir uma melhor compreensão da parte dos ouvintes. Assim, os temas mais difíceis necessitam de uma adaptação mais exigente ao meio rádio, “uma emisora no está bien derigida cuando se emiten complicadas disertaciones científicas o refinadas y elevadas obras artísticas, que producen confusión en el hombre sencillo(...) (Arnheim, 1980: 147). Mas a clareza, também tem de ser técnica, pois a introdução de ruídos e de interferências vai criar barreiras à boa recepção, e consequente compreensão, da mensagem. A qualidade de sinal, é este o termo técnico, tem de ser perfeita porque no caso contrario será fácil para o ouvinte alterar a sintonia e escutar uma emissão sem este tipo de interferências.
Para além de correcta e clara, a linguagem na rádio, e neste caso no que à palavra se refere, também tem de ser concisa através do recurso a frases curtas. Os textos não são feitos para serem lidos, apesar de o serem pelo locutor, mas o seu último e principal objectivo é que sejam escutados. Esse é o grande propósito de um texto de rádio - captar a atenção do ouvinte sem esquecer que, ao contrario de outros casos, não tem a oportunidade de voltar a escutar para perceber o que não foi entendido. A linguagem na rádio é colectiva porque tem vários autores e também pode ser mista quando há recurso a diferentes códigos, não esquecendo que os 4 elementos, por si só, já são mistura de diferentes códigos e linguagens, mas no entanto “si la significación en cada caso fuera distinta, se perderia claridad y facilmente podría dar lugar a confusiones insalvables para el oyente” (Merayo, 2003: 130).
Sobre a música, cedo se percebeu a sua ligação com a rádio e que poderia ser um importante instrumento na promoção do meio da rádio, o que, bem vistas as coisas, até se entende muito bem pela característica auditiva que o meio possui. As palavras de David Sarnoff, em 1915, e apresentadas por Barthes são um exemplo, “Yo tengo um plan por el que la rádio se converteria en una atilidad domestica al igual que se hace con un piano o un gramofono. La idea consiste en llevar música dentro de las casas por ondas de rádio” (Barthes, 1986: 278). A música cria ambientes, ajuda a caracterizar pessoas, define ritmos narrativos (o que a palavra não consegue por exemplo na criação de momentos de suspense) e momentos psicológicos de sequências, marca tempos de relato, indica respirações e momentos de reflexão nos textos e liga/desliga momentos. Para alem disso a música também tem uma vida própria que é mensagem por si só i.e. quando é apenas música para ser ouvida e está para além dos elementos anteriormente referidos, “basta que ésta constituya por sí solo y durante un cierto tiempo el contenido único y principla del mensaje” (Merayo, 2003: 133).
Depois de vistos os elementos palavra e música enquanto constituintes da linguagem da rádio, importa olhar para os efeitos sonoros, que mais não são do que conteúdos de pequena dimensão com o objectivo de descrever uma ideia radiofónica ou criar ambiente. Neste caso o mais complicado por parte do profissional de rádio é perceber qual o efeito a utilizar e que deve ser ajustado ao momento e à mensagem. Estes efeitos podem substituir a realidade física, até com a utilização de gravações que simulam determinadas realidades, mas em nenhum caso a função deve ser a de recriar um som, porque terá sempre de existir aproximação ao real. Na descodificação por parte do ouvinte contribuem a experiência e o contexto que poderão levar a uma interpretação diferente e distante daquela que está na origem do produtor, desvirtuando o propósito emitido do propósito recebido.
Convém também perceber que existe um outro tipo de efeitos, já não com objectivo de recriar seja o que for, mas com intenção de fornecer indicações por meio de um significado[2] aleatório, convencional e arbitrário, trata-se “de conocer unicamente um determinado código radiofónico: el contexto intrínseco de la proprianarrativa del medio” (Merayo, 2003: 134). A tabela seguinte apresenta a definição de alguns destes efeitos e algumas das suas acaracaterísticas.
Tabela 01 – Efeitos sonoros com o objectivo de fornecer indicações
Fonte – própria


Separador
Efeito com breves instantes com a função de efectuar uma separação entre conteúdos: entre notícias, entre música - notícias, entre assuntos etc. É muito utilizado para dar a indicação de entrada ou saída de espaço de publicidade.
Jingle
Normalmente mais extenso que um separador pode ser produzido a partir de uma colagem de músicas.
Indicativo
São os conteúdos falados capazes de identificar a emissora.
Genéricos
Separador capaz de identificar os programas, por exemplo no início e no final. Funciona como um código e as sua estética deve estar de acordo com a estética do programa em causa

Como já se disse, mas nunca será demais repetir, o uso de efeitos deve  responder a uma estética enquadrada na selecção e na oportunidade do efeito ser colocado no ar. O seu uso desregulado poderá confundir o ouvinte, pois tal como refere Arturo Merayo “el oyente puede acostumbrarse a ellos con facilidad y dejar de poner el esfuerzo que requiere su descidificación informativa, ya de por sí complicada en el conjunto del mensaje rediofónico” (2003: 137).
Resta ainda colocar o olhar no silêncio que ironia do destino, tem um tão importante destaque num meio de cariz auditivo. Na prática o silêncio é a ausência dos restantes três elementos, mas em teoria a sua análise no enquadramento do meio rádio está muito para além disso. Qualquer locutor na sua fase de aprendizagem é alertado para não se distrair e provocar silêncios na emissão, porque tal situação, mesmo que muita curta, será sempre considerada indesejada por proporcionar a alteração de sintonia por parte do ouvinte. Aos locutores é lhes dito que devem de evitar as brancas[3]. De facto assim é, mas também não é menos verdade que em alguns casos o silêncio poderá ser propositado e proporcionar uma mais valia na linguagem da rádio. Para ser utilizado como elemento da linguagem da rádio, o silêncio deve ser analisado à luz de uma forma de expressão capaz de representar “el reposo, el sosiego, el descanso que se brinda para la tranquila reflexión” (Merayo, 2003: 138).
A combinação destes quatro elementos é fundamental para se conseguir uma eficácia na difusão das mensagens radiofónicas porque “el mensage prende en el publico mejor por como se dice que por lo que se dice” (Merayo, 2003: 140). A voz humana aparece em destaque por estar fortemente relacionada com a persuasão, mas  para além disso, a palavra através da rádio, tão adequada aos conteúdos racionais e informativos pela sua clareza,  ganha uma dupla dimensão – palavra + oralidade. Quer dizer, pela rádio, a palavra não fica apenas amarrada ao seu significado, tal como na escrita, mas ganha uma maior expressividade através da entoação dada pela locução, “ sobre la gente sencilla influye más la expression de la voz de un orador que el cntenido de su discurso” (Arnheim, 1980: 24).
A locução ampliada na sua importância pelo facto do meio não possuir imagem, tem alguns aspectos capazes de a influenciar como: a vocalização, a entoação, o ritmo e a atitude colocada na locução.
É necessário que o emissor seja o que vulgarmente se chama um bom falante, capaz de vocalizar bem as palavras i.e. de as pronunciar com clareza e com uma boa dicção. A ausência de um destes elementos ou a existência de uma qualquer deficiência acarreta a perda de credibilidade e até pode em casos extremos funcionar como ruído.
Já a entoação é a musicalidade que se oferece às palavras pelo timbre, tom e intensidade da voz. A expressividade e a carga semântica são aqui aspectos ampliados e “si al locutor le falta expressión y musicalidad, el oyente se venga de él de la forma más sencilla: pulsa el boton del receptor. (Arnheim, 1980: 28-29).
O ritmo varia de caso para caso. Há conteúdos e públicos para os quais é necessário adoptar um tipo de ritmo mais acelerado do que noutros casos. Devido à ausência de um ritmo definido para a linguagem da rádio e este meio permitir a  possibilidade de variação de ritmos importa que o cuidado e a atenção do locutor, neste caso particular, esteja focada na medida de ritmo certa e adaptada às exigências. Quando o ritmo imposto é mais lento que o ideal irá provocar o desinteresse por parte do ouvinte, e quando é mais rápido provocará tensão.
Nestes aspectos relacionados com a locução, resta olhar para a atitude que o locutor emprega na hora de passar a mensagem. O locutor deverá assumir uma postura simples e cordial, mostrar presença mas não exagerar na auto-confiança que passa. Em nenhum caso deverá apresentar vaidades ou manias, como se diz em português vernáculo, e o registo deve ser mais familiar do que no caso de um discurso em público, “la inflexión de las frases se haga siempre bajo el signo de la sencillez y de la cordialidad amable, educada, correcta, pêro jamás tiesa e engolada” (Ruiz,1964: 396).
JB - Outubro de 2012


Bibliografia:
Arnheim, Rudolf (1980). Estética radiofónica. Barcelona: Gustavo Gili.
Barthes, Roland (1986). Lo obvio y lo obtuso. Imãgenes, gestos y voces. Barcelona: Paidós.
Ruiz, Aníbal Árias (1964). Radiofonismo. Conceptos para una radiodifusión española. Madrid: A. Vassalo.





[1] Basta pensar que o profissional de rádio por vezes tem a necessidade de dar a ideia de que está a falar e improvisar enquanto na verdade está a ler determinado texto.
[2] Este significado necessita de uma aprendizagem por parte do ouvinte
[3] Usualmente os períodos de silêncio que são frutos de uma distracção ou de uma gaffe do locutor têm o nome de branca.