Pierre
Schaeffer - Acousmatics[1]
Análise
ao texto – Jorge Bruno Ventura
Ao ser fascinado pelas novas experiências
sonoras permitidas pela gravação e pela rádio[2],
às quais deu o nome de reduced listening e acousmatic listening, Pierre Schaeffer, fundador da música
concreta[3],
criou e desenvolveu um conjunto de teorias de escuta musical.
Apreciador do trabalho desenvolvido pelo
filósofo alemão Edmund Husserl[4],
Pierre Schaeffer transporta para o som ideias da escola fenomenológica ao
separar o sinal da sua fonte em vez de a utilizar como referência para
distinguir o som[5]. Tecnologias
como a rádio e o fonógrafo viabilizaram a fenomenologia no som através da
alteração das hierarquias da relação entre a fonte e o sinal.
Escutar um som
sem ver o que o causa é uma das experiências sonoras associadas à acusmática de Pierre Schaeffer.
Pitágoras[6]
criava esse cenário ao colocar uma cortina a separar o espaço onde ministrava
as suas palestras do espaço onde se situavam os seus discípulos. A esses
discípulos, que escutavam sem ver o Mestre,
deu-se o nome de Acusmáticos porque a
sua experiência de aprendizagem era feita com base na oralidade, i.e. sem verem
o que provocava o som que escutavam. Inspirado pela cisão entre a fonte sonora
e a visão, Pierre Schaeffer desenvolve reduced
listening como o exercitar da audição das qualidades internas ao som, sem
contextualização e referências externas. O som é colocado num novo paradigma,
num novo patamar distinto dos critérios de produção e transmissão. Para Schaeffer, as antigas cortinas de Pitágoras passavam
a ser ocupadas pela rádio e pela gravação, “this is why we can, without
anachronism, return to an ancient tradition, which, no less nor otherwise than
contemporary radio and recordings, gives back to the ear alone the entire
responsibility of a perception that ordinarily rests on other sensible
witnesses. In ancient times, the apparatus was a curtain; today, it is the
radio and the methods of reproduction” (pp.76).
A acusmática é a inversão do procedimento
habitual ou a percepção da forma como uma escuta subjectiva interpreta ou
deforma a realidade. A escuta torna-se origem do fenómeno e nasce uma nova pergunta criada pela
perda de referenciais e pela aquisição de novas percepções – O que é que estou a ouvir? Anula-se a
relação com o que pode ser medido, visto ou tocado, e elementos objectivos,
como a frequência, a duração e a amplitude, ficam confinados à acústica.
Das
características que o autor assume para a acusmática
fazem parte a escuta pura, a audição dos efeitos, as variações na escuta e no
sinal:
Escuta
pura – O reconhecimento de um som torna-se incerto
quando desprovido da identificação da fonte sonora, “This is why certain sounds
produced by instruments as different as string instruments and wind instruments
can be confused” (pp.78);
Ouvir
os efeitos – A forma de escuta torna-se diferente
pela separação do ver e do ouvir, “The dissociation of seeing and hearing here
encourages another way of listening” (pp.78). A cortina de Pitágoras não era suficientemente forte para
desencorajar a curiosidade, mas a repetição que a gravação permite poderá levar
ao cansaço da curiosidade, recolocando o objecto sonoro no espaço da sua
observação, e a uma maior atenção da percepção;
Variações
na escuta – A repetição permite o aumento da
percepção e a revelação de novos aspectos no objecto;
Variações
do sinal – São as possibilidades de intervir no
som. Podem ser feitas várias intervenções[7]
e perceber as relações[8]
que podem ser esperadas entre as modificações processadas e o que é escutado.
Ao contrário do
que se poderia pensar, o objecto sonoro não é o que convencionalmente se chama
de instrumento (musical) ou do seu som em particular. O objecto sonoro
revela-se na cegueira do ouvinte e na pergunta, ou perguntas, colocadas com a
não identificação de um objecto. O objecto sonoro também não pode ser a fita
onde se efectua a gravação porque isso é o suporte, a materialização do som que
pode ser alterado na relação com quem o ouve, “when listened to by a dog, a
child, a Martian, or the citizen of another musical civilization, this signal
takes on another meaning or sense”(pp.79). Como já escrevemos, para além da
rádio, um dos elementos que fascinou Pierre Schaeffer foi a gravação e por isso
as palavras dedicadas à ligação entre objecto sonoro e a fita. Poderá haver uma
manipulação, uma intervenção na fita. mas a realidade dessas alterações apenas
pode ser verificada quando o som registado nessa fita é escutado por
alguém. Essa manipulação não anula
o objecto sonoro, mas cria novos.
A capacidade de
comparação detida pelo humano é o elemento capaz de identificar a novidade ou a
igualdade do objecto sonoro. Por exemplo, a
escuta a baixa velocidade[9] de uma fita gravada proporciona uma experiência
semelhante à análise de um objecto através de uma lupa, “The slowed-down portion, acting like a magnifying
glass in relation to the temporal structure of the sound, will have allowed us
to discern certain details-of grain, for example – which our listening, thus
alerted and informed, will rediscover in the second passage at normal speed”(pp.80). Quem escuta o som
manipulado poderá identificar o objecto sonoro original e o tipo de manipulação
aplicado, ou então nada identificar, e assim proporcionar o nascimento de um
novo objecto sonoro.
A possibilidade
de apenas reproduzir elimina a lembrança de referenciais e de significados
musicais. A escuta é a descoberta de um caminho restrito para o puramente sonoro
e puramente musical. A sugestão da acusmática é “to deny the instrument and cultural conditioning, to
put in front of us the sonorous and its musical ‘possibility’(pp.81).
Jorge Bruno Ventura
Não resisto a colocar o acesso para um video disponível no YouTube com um pouco do trabalho de Pierre Schaeffer
[1] In Audio Culture – Readings in Modern
Music. Chistoph Cox and Daniel Warner edited. Ne
.w
York, Continuum IPG, 2004.
[2] Pierre Schaeffer trabalhou na
rádio estatal de França desde 1936.
[3] Em francês Musique concrete. Com o desenvolvimento dos microfones e das
técnicas de gravação nos finais da década de 40 e durante a de 50 do século
passado surge um tipo de música electrónica produzida a partir da manipulação
de sons naturais e industriais com a edição áudio.
[4] Edmund Husserl nasceu em 1859 e
foi o fundador da escola fenomenológica. Rompeu com a orientação positivista da
ciência e da filosofia da sua época. Não se limitou ao empirismo e foi mais
além ao acreditar que a experiência é a fonte de todo o conhecimento.
[5] Em http://www.youtube.com/watch?v=q2o9VyuJSD4 pode ser ouvida parte de uma
composição de Pierre Schaeffer em conjunto com Pierre Henry, com o título “Symphonie pour un Homme Seul”.
[6] Filosofo e Matemático grego que
fundou uma escola de pensamento grego – A escola Pitagórica. Não há um ano
certo para o seu nascimento, mas sabe-se ter sido por volta do ano de 571 a.C.
[7] Intervenções como efectuar
registos diferentes do mesmo acontecimento sonoro; efectuar aproximações ao som
alterando os ângulos de registo no momento da gravação; alterar a velocidade de
leitura do registo, alterar as fitas de gravação e alterações de volume.
[8] Pierre Schaeffer utiliza o termo
correlações.
[9] Aqui identificado como apenas
uma possibilidade de manipulação da fita.
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