Sobre este texto, apenas digo o seguinte: Mas que texto lindo
JB - Novembro de 2012
Homilia do Fundador: 'Amar o mundo apaixonadamente' (in 'Temas actuais do Cristianismo’, n. 113).Nesta homilia o santo fundador do Opus Dei resume o Espírito que difundiu desde 1928.(Homilia pronunciada no campus da Universidade de Navarra, em 8 de Outubro de 1967)
Acabais de ouvir a leitura solene dos dois textos
da Sagrada Escritura correspondentes à Missa do XXI Domingo depois de
Pentecostes. Tendo ouvido a palavra de Deus, já estais situados no âmbito em
que se hão-de mover as palavras que agora vos dirijo: palavras de sacerdote,
pronunciadas perante uma grande família de filhos de Deus na sua Santa Igreja.
Palavras, pois, que desejam ser sobrenaturais, pregoeiras da grandeza de Deus e
das suas misericórdias para com os homens; palavras que vos disponham para a
impressionante Eucaristia que hoje celebramos aqui no campus da Universidade de
Navarra.
Considerai por uns instantes o facto que acabo de
mencionar. Celebramos a Sagrada Eucaristia, o sacrifício sacramental do corpo e
do sangue de Nosso Senhor, esse mistério de fé que reúne em si todos os
mistérios do Cristianismo. Celebramos, portanto, a acção mais sagrada e
transcendente que o homem, por graça de Deus, pode realizar nesta vida.
Comungar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor é, de certo modo, desligar-nos dos
laços de terra e de tempo, para estar já com Deus no Céu, onde o próprio Cristo
enxugará as lágrimas dos nossos olhos e onde não haverá morte, nem pranto, nem
gritos de fadiga, porque o mundo velho já terá passado (Cfr Ap. XXI, 4).
Esta verdade tão consoladora e profunda, esta
significação escatológica da Eucaristia, como costumam denominá-la os teólogos,
poderia, no entanto, ser mal entendida; e de facto tem-no sido, sempre que se
tem pretendido apresentar a existência cristã como algo de exclusivamente
espiritual – espiritualista, quero dizer – próprio da gente pura,
extraordinária, que não se mistura com as coisas desprezíveis deste mundo, ou
que, quando muito, as tolera como realidade necessariamente justaposta ao
espírito, enquanto aqui vivemos.
Quando se vêem as coisas deste modo, o lugar por
excelência da vida cristã passa a ser o templo; e ser cristão, nesse caso,
consiste em ir ao templo, participar em cerimónias sagradas, incrustar-se numa
sociologia eclesiástica, numa espécie de mundo segregado, que se apresenta a si
mesmo como a antecâmara do Céu, enquanto o mundo comum segue o seu próprio
caminho. A doutrina do Cristianismo e a vida da graça passariam, por
conseguinte, como que roçando o atribulado avançar da história humana, mas sem
se encontrarem com ele.
Nesta manhã de Outubro, enquanto nos dispomos a
penetrar no memorial da Páscoa do Senhor, respondemos simplesmente que não a
essa visão deformada do Cristianismo. Reflecti um momento no enquadramento da
nossa Eucaristia, da nossa Acção de Graças: encontramo-nos num templo singular;
poderíamos dizer que a nave é o campus universitário; o retábulo, a Biblioteca
da Universidade; além a maquinaria que levanta novos edifícios; e por cima, o
céu de Navarra...
Esta enumeração não vos confirma, de uma forma
palpável e inesquecível, que o verdadeiro lugar da vossa existência cristã é a
vida corrente? Meus filhos, onde estiverem os homens, vossos irmãos; onde
estiverem as vossas aspirações, o vosso trabalho, os vossos amores, é aí que
está o sítio do vosso encontro quotidiano com Cristo. É no meio das coisas mais
materiais da Terra que devemos santificar-nos, servindo Deus e todos os homens.
Tenho ensinado constantemente com palavras da
Sagrada Escritura: o mundo não é mau porque saiu das mãos de Deus, porque é uma
criatura Sua, porque Iavé olhou para ele e viu que era bom (Cfr. Gen. 1, 7 e
ss.). Nós, os homens, é que o tornamos mau e feio, com os nossos pecados e as
nossas infidelidades. Não duvideis, meus filhos: qualquer forma de evasão das
honestas realidades diárias é, para vós, homens e mulheres do mundo, coisa
oposta à vontade de Deus.
Pelo contrário, deveis compreender agora – com uma
nova clareza – que Deus vos chama a servi-Lo em e a partir das ocupações civis,
materiais, seculares da vida humana: Deus espera-nos todos os dias no
laboratório, no bloco operatório, no quartel, na cátedra universitária, na
fábrica, na oficina, no campo, no lar e em todo o imenso panorama do trabalho.
Ficai a saber: escondido nas situações mais comuns há um quê de santo, de
divino, que toca a cada um de vós descobrir.
Eu costumava dizer àqueles universitários e àqueles
operários que vinham ter comigo por volta de 1930 que tinham que saber
materializar a vida espiritual. Queria afastá-los assim da tentação, tão
frequente então como agora, de viver uma vida dupla: a vida interior, a vida de
relação com Deus, por um lado; e por outro, diferente e separada, a vida
familiar, profissional e social, cheia de pequenas realidades terrenas.
Não, meus filhos! Não pode haver uma vida dupla; se
queremos ser cristãos, não podemos ser esquizofrénicos. Há uma única vida,
feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser – na alma e no corpo – santa
e cheia de Deus, deste Deus invisível que encontramos nas coisas mais visíveis
e materiais.
Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos
encontrar Nosso Senhor na nossa vida corrente ou nunca O encontraremos Por isso
posso dizer-vos que a nossa época precisa de restituir à matéria e às situações
que parecem mais vulgares o seu sentido nobre e original, colocá-las ao serviço
do Reino de Deus, espiritualizá-las, fazendo delas o meio e a ocasião do nosso
encontro permanente com Jesus Cristo.
O sentido cristão autêntico – que professa a
ressurreição de toda a carne – sempre combateu, como é lógico, a desencarnação,
sem receio de ser julgado materialista. É lícito, portanto, falar de um
materialismo cristão, que se opõe audazmente aos materialismos fechados ao
espírito.
Que são os sacramentos – vestígios da Encarnação do
Verbo, como afirmaram os antigos – senão a mais clara manifestação deste caminho
que Deus escolheu para nos santificar e levar para o Céu? Não vedes que cada
sacramento é o amor de Deus, com toda a sua força criadora e redentora, que se
nos dá servindo-se de meios materiais? O que é esta Eucaristia – já iminente –
senão o Corpo e o Sangue adoráveis do nosso Redentor, que Se nos oferece
através da humilde matéria deste mundo – vinho e pão – através dos elementos da
natureza cultivados pelo homem, como o último Concílio Ecuménico quis recordar?
(Cfr. Gaudium et Spes, nº 38.)
Compreende-se, meus filhos, que o Apóstolo pudesse
escrever: todas as coisas são vossas; vós sois de Cristo e Cristo de Deus (I
Cor III 22-23). Trata-sede um movimento ascendente que o Espírito Santo,
difundido nos nossos corações, quer provocar no mundo: da terra até à glória de
Nosso Senhor. E para que ficasse claro que nesse movimento se incluía até o que
parece mais prosaico, S. Paulo escreveu também: quer comais, quer bebais, fazei
tudo para glória de Deus (I Cor X, 31.).
Esta doutrina da Sagrada Escritura, que se
encontra, como sabeis, no próprio cerne do espírito do Opus Dei, há-de
levar-vos a realizar o vosso trabalho com perfeição, a amar a Deus e os homens
fazendo com amor as pequenas coisas da vossa jornada habitual, descobrindo esse
quê divino que está encerrado nos pormenores. Que bem se enquadram aqui aqueles
versos do poeta de Castela: Devagar, e boa letra; /que fazer as coisas bem/
importa mais que fazê-las (A. MACHADO, Poesias Completas. CLXI – Proverbios y
cantares XXIV, Espasa-Calpe, Madrid, 1940.).
Asseguro-vos, meus filhos, que, quando um cristão
realiza com amor a mais intranscendente das acções diárias, ela transborda da
transcendência de Deus. Por isso vos tenho repetido, com insistente martelar,
que a vocação cristã consiste em fazer poesia heróica da prosa de cada dia. Na
linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não; onde
se juntam deveras é nos vossos corações, quando viveis santamente a vida de
cada dia...
Viver santamente a vida de cada dia, acabo de
dizer-vos. E com estas palavras refiro-me a todo o programa da vossa vida
cristã. Deixai-vos, pois, de sonhos, de falsos idealismos, de fantasias,
daquilo a que costumo chamar mística do oxalá – oxalá não me tivesse casado;
oxalá não tivesse esta profissão; oxalá tivesse mais saúde; oxalá fosse mais
novo; oxalá fosse velho!... – e cingi-vos, pelo contrário, sobriamente, à
realidade mais material e imediata, que é onde Nosso Senhor está: vede as
minhas mãos e os meus pés, disse Jesus ressuscitado; sou Eu mesmo. Tocai-Me e
vede que um espírito não tem carne e ossos como vedes que Eu tenho (Lc 24,
39.).
São muitos os aspectos do ambiente secular em que
vos moveis, que se iluminam a partir destas verdades. Pensai, por exemplo, na
vossa actuação de cidadãos na vida civil. Um homem sabedor de que o mundo – e
não só o templo – é o lugar do seu encontro com Cristo, ama esse mundo, procura
adquirir uma boa preparação intelectual e profissional, vai formando – com
plena liberdade – os seus próprios critérios sobre os problemas do meio em que
vive; e toma, como consequência, as suas próprias decisões que, por serem
decisões de um cristão, procedem também de uma reflexão pessoal que tenta
humildemente captar a vontade de Deus nesses aspectos, pequenos e grandes, da
vida.
Mas esse cristão não se lembra nunca de pensar ou
de dizer que desce do templo ao mundo para representar a Igreja, e que as suas
soluções são as soluções católicas daqueles problemas. Isso não pode ser, meus
filhos! Isso seria clericalismo, catolicismo oficial, ou como quiserdes
chamar-lhe. De qualquer modo, seria violentar a natureza das coisas. Tendes de
difundir por toda a parte uma verdadeira mentalidade laical, que há-de levar os
cristãos a três consequências:
– a serem suficientemente honrados para arcarem com
a sua responsabilidade pessoal;
– a serem suficientemente cristãos para respeitarem
os seus irmãos na fé que proponham – em matérias discutíveis – soluções
diversas das suas
– e a serem suficientemente católicos para não se
servirem da Igreja, nossa Mãe, misturando-a com partidarismos humanos.
Vê-se claramente que, neste terreno como em todos,
não poderíeis realizar o programa de viver santamente a vida diária se não
gozásseis de toda a liberdade que vos é reconhecida – simultaneamente – pela
Igreja e pela vossa dignidade de homens e de mulheres criados à imagem de Deus.
A liberdade pessoal é essencial para a vida cristã. Mas não vos esqueçais, meus
filhos, de que falo sempre de uma liberdade responsável.
Interpretai, portanto, as minhas palavras como o
que são: um chamamento a exercerdes – diariamente!, não apenas em situações de
emergência – os vossos direitos; e a cumprirdes nobremente as vossas obrigações
como cidadãos – na vida política, na vida económica, na vida universitária, na
vida profissional –, assumindo com coragem todas as consequências das vossas
decisões, arcando com a independência pessoal que vos corresponde. E essa
mentalidade laical cristã permitir-vos-á fugir de toda a intolerância, de todo
o fanatismo. Di-lo-ei de um modo positivo: far-vos-á conviver em paz com todos
os vossos concidadãos e fomentar também a convivência nos diversos sectores da
vida social.
Sei que não tenho necessidade de recordar o que ao
longo de tantos anos venho repetindo. Esta doutrina de liberdade civil, de convivência
e de compreensão é uma parte muito importante da mensagem que o Opus Dei
difunde. Terei que voltar a afirmar que os homens e as mulheres que querem
servir Jesus Cristo na Obra de Deus são simplesmente cidadãos iguais aos outros
que se esforçam por viver com responsabilidade séria – até às últimas
consequências – a sua vocação cristã?
Nada distingue os meus filhos dos seus concidadãos.
Por outro lado, exceptuando a Fé, nada têm de comum com os membros das
congregações religiosas. Amo os religiosos e venero e admiro as suas clausuras,
os seus apostolados, o seu afastamento do mundo – o seu contemptus mundi –, que
são outros sinais de santidade na Igreja. Mas Nosso Senhor não me deu vocação
religiosa, e desejá-la para mim seria uma desordem. Nenhuma autoridade na terra
poderá obrigar-me a ser religioso, como nenhuma autoridade pode forçar-me a
contrair matrimónio. Sou sacerdote secular: sacerdote de Jesus Cristo, que ama
apaixonadamente o mundo.
Os que seguiram Jesus Cristo comigo, pobre pecador,
são: uma percentagem de sacerdotes que exerciam antes uma profissão ou tinham
uma ocupação laical; um grande número de sacerdotes seculares de muitas
dioceses do mundo – que confirmam assim a obediência e amor aos seus Bispos
respectivos, e a eficácia do seu trabalho diocesano, com os braços sempre
abertos em cruz para que todas as almas caibam nos seus corações, e que estão
como eu, em plena rua, no mundo, e o amam; e a grande multidão, formada por
homens e mulheres de diversas nações, de diversas línguas, de diversas raças,
que vivem do seu trabalho profissional, casados na sua maior parte, solteiros
muitos outros, que participam com os seus concidadãos na grave tarefa de tornar
mais humana e mais justa a sociedade temporal, na nobre lide das ocupações diárias,
com responsabilidade pessoal – repito –, alcançando e sofrendo, ombro a ombro
com os outros homens, êxitos e fracassos, procurando cumprir os seus deveres e
exercer os seus direitos sociais e cívicos. E tudo isto, com naturalidade, como
qualquer cristão consciente, sem mentalidade de selectos, fundidos na massa dos
seus colegas, enquanto procuram detectar a luz divina que reverbera nas
realidades mais vulgares.
Também as obras promovidas pelo Opus Dei, como
associação, têm essas características eminentemente seculares: não são obras
eclesiásticas. Não gozam de nenhuma representação oficial da Hierarquia da
Igreja. São obras de promoção humana, cultural, social, realizadas por cidadãos
que procuram iluminá-las com a luz do Evangelho e aquecê-las com o amor de
Cristo. Ficareis esclarecidos com um dado: o Opus Dei não tem nem terá jamais,
por exemplo, a missão de dirigir Seminários diocesanos, onde os Bispos,
instituídos pelo Espírito Santo (Act 20, 28), preparam os seus futuros
sacerdotes.
O Opus Dei fomenta, pelo contrário, centros de
formação operária e de formação agrícola, de ensino básico, secundário e
universitário, e tantas outras e tão variadas actividades em todo o mundo,
porque os seus anseios apostólicos – escrevi há muitos anos – são um mar sem limites.
Mas, por que me hei-de alongar nesta matéria, se a
vossa própria presença é mais eloquente do que um prolongado discurso? Vós,
Amigos da Universidade de Navarra, sois parte de um povo que sabe estar
comprometido no progresso da sociedade a que pertence. O vosso alento cordial,
a vossa oração, o vosso sacrifício e a vossa contribuição material não seguem
os caminhos de um confessionalismo católico; ao prestardes a vossa cooperação,
sois o perfeito testemunho de uma recta consciência civil, preocupada pelo bem
comum temporal; testemunhais que uma Universidade pode nascer das energias do
povo e ser sustentada pelo povo.
Quero agradecer uma vez mais nesta ocasião, a
colaboração que prestam à nossa Universidade a minha nobilíssima cidade de
Pamplona, a grande e forte região navarra; os Amigos procedentes de toda a
geografia espanhola e – com particular emoção o digo – os não espanhóis e até
os não católicos e não cristãos que compreenderam, e assim o demonstram com
factos, a intenção e o espírito deste empreendimento.
A todos eles se deve que esta Universidade seja um
foco, cada vez mais vivo, de liberdade cívica, de preparação intelectual, de
emulação profissional, e um estímulo para o ensino universitário. O vosso
generoso sacrifício serve de base a um trabalho universal que procura o
incremento das ciências humanas, a promoção social, a pedagogia da fé.
O que acabo de dizer foi visto com clareza pelo
povo navarro, que também reconhece na sua Universidade um factor de promoção
económica para a região e, especialmente, de promoção social, que permitiu a
tantos dos seus filhos o acesso às profissões intelectuais que, de outro modo,
seria difícil e, em certos casos, impossível. A compreensão do papel que a
Universidade havia de ter na sua vida motivou certamente o apoio que Navarra
lhe dispensou desde o começo; apoio que, sem dúvida, será cada vez mais amplo e
entusiasta.
Continuo a manter a esperança – porque corresponde
a um critério justo e à realidade vigente em tantos países – de que chegará o
momento em que o Estado espanhol contribuirá, por seu lado, para aliviar os
encargos de um empreendimento que não tem em vista nenhum proveito privado e
que, pelo contrário, totalmente consagrado ao serviço da sociedade, procura
trabalhar com eficácia para a prosperidade presente e futura da nação.
E agora, meus filhos e minhas filhas, permiti que
me detenha noutro aspecto – particularmente querido – da vida comum. Refiro-me
ao amor humano, ao amor casto entre um homem e uma mulher, ao noivado, ao
matrimónio. Devo dizer uma vez mais que esse amor humano santo não é algo de
permitido, de tolerado, à margem das verdadeiras actividades do espírito, como
poderiam insinuar os falsos espiritualismos a que antes aludia. Há quarenta
anos que venho pregando exactamente o contrário, através da palavra e da
escrita, e os que não compreendiam já o vão entendendo.
O amor que conduz ao matrimónio e à família pode
ser também um caminho divino, vocacional, maravilhoso, meio para uma completa
dedicação ao nosso Deus. Realizai as coisas com perfeição, tenho-vos recordado,
ponde amor nas pequenas actividades da jornada, descobri – insisto – esse quê
divino que se oculta nos pormenores: toda esta doutrina encontra um lugar
especial no espaço vital em que o amor humano se enquadra.
Já o sabeis muito bem, professores, alunos e todos
os que dedicais o vosso trabalho à Universidade de Navarra: pus os vossos
amores sob a protecção de Santa Maria, Mãe do Amor Formoso. E aí tendes a
ermida que construímos com devoção no campus universitário, para recolher as
vossas orações e a oblação desse amor maravilhoso e limpo que Ela abençoa.
Não sabíeis que o vosso corpo é templo do Espírito
Santo, que recebestes de Deus, e que não vos pertenceis? (I Cor 6, 19.)Quantas
vezes, diante da imagem da Virgem Santa, da Mãe do Amor Formoso, respondereis
com uma alegre afirmação à pergunta do Apóstolo: sabemos, sim, e queremos
vivê-lo com a tua ajuda poderosa, ó Virgem Mãe de Deus!
A oração contemplativa surgirá em vós sempre que
meditardes nesta realidade impressionante: uma coisa tão material como o meu
corpo foi escolhida pelo Espírito Santo para estabelecer a Sua morada...; já
não me pertenço...; o meu corpo e a minha alma – o meu ser inteiro – são de
Deus... E essa oração será rica em resultados práticos, derivados da grande
consequência que o próprio Apóstolo apresenta: glorificai a Deus no vosso corpo
(I Cor 6, 20).
Por outro lado, não podeis desconhecer que só entre os
que compreendem e valorizam em toda a sua profundidade o que acabamos de
considerar acerca do amor humano, pode surgir aquela outra compreensão inefável
de que Jesus falou (Cfr Mt 19, 11), que é um puro dom de Deus e que conduz a
entregar o corpo e a alma a Nosso Senhor, a oferecer-Lhe o coração indiviso,
sem a mediação do amor terreno.
Tenho de terminar, meus filhos. Disse-vos ao
começar que a minha palavra gostaria de vos anunciar alguma coisa da grandeza e
da misericórdia de Deus. Julgo tê-lo cumprido, ao falar-vos de viver santamente
a vida corrente: porque uma vida santa no meio da realidade secular – sem
ruído, com simplicidade, com veracidade – não será porventura hoje a mais
consoladora manifestação das magnalia Dei (Ecles 18, 5), dessas portentosas
misericórdias que Deus sempre realizou, e não deixa de realizar para salvar o
mundo?
Peço-vos agora com o salmista que vos unais à minha
oração e ao meu louvor: magnificate Dominum mecum, et extollamus nomen eius
simul (Ps.XXXIII, 4.); louvai comigo o Senhor e exaltemos todos juntos o Seu
nome. Ou seja, meus filhos: vivamos de Fé.
Tomemos o escudo da Fé, o elmo da salvação e a
espada do espírito que é a Palavra de Deus. Assim nos anima o Apóstolo S. Paulo
na Epístola aos de Éfeso (Ef 6, 11 e ss.) que há momentos se proclamava
liturgicamente.
Fé, virtude de que os cristãos tanto necessitamos,
especialmente neste ano da Fé promulgado pelo nosso amadíssimo Santo Padre o
Papa Paulo VI, pois, faltando a Fé, falta o próprio fundamento da santificação
da vida corrente.
Fé viva nestes momentos, porque nos aproximamos do
mysterium fidei (I. Tim 3, 9), da Sagrada Eucaristia; porque vamos participar
nesta Páscoa do Senhor, que resume e realiza as misericórdias de Deus para com
os homens.
Fé, meus filhos, para confessar que, dentro de
instantes, sobre esta ara, se vai renovar a obra da nossa Redenção (Secreta do
IX Domingo depois de Pentecostes.). Fé, para saborear o Credo e sentir, em
torno deste altar e nesta Assembleia, a presença de Cristo que faz de nós cor
unum et anima una (Act 4, 32.), um só coração e uma só alma; e nos converte em
família, em Igreja una, santa, católica, apostólica e romana, que para nós é o
mesmo que universal.
Fé, finalmente, filhas e filhos queridíssimos, para
demonstrarmos ao mundo que tudo isto não são cerimónias e palavras, mas uma
realidade divina, ao apresentarmos aos homens o testemunho de uma vida corrente
santificada, em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e de Santa Maria.